quarta-feira, 24 de junho de 2015

Don't Starve

Viciante Frustração

Desenvolvedor: Klei Entertainment
Plataforma: PS4, PS Vita, Wii U, Windows, OS, Linux
Gênero: Roguelike, Sobrevivência, Tower Defense
Itens de série: atmosfera e clima, sistema de criação de itens, tensão e desafio. 
Defeitos de fábrica: falta de progresso entre partidas, confuso para iniciantes

Você acorda em um lugar inóspito, nada além das roupas do corpo e uma mente brilhante para te proteger. A noite se aproxima e você deixa de lado a confusão e começa a coletar tudo o que pode ser útil para sua sobrevivência. Com gravetos e pedregulhos você fabrica um machado primitivo, derruba uma árvore mirrada e já tem a lenha para a fogueira que vai mante-lo aquecido e afugentar ameaças na escuridão que já começa a se insinuar. Você encontra o que parecem ser tocas de algum animal no chão e reza para que as armadilhas improvisadas permitam que você tenha algo mais substancial que frutas silvestres e cogumelos para comer no dia seguinte. 

Chega a noite e por mais que atice a fogueira, as trevas o cercam cheias de sons assustadores. Você pensa ter visto algo se aproximando. Olhos aterrorizantemente volumosos parecem fulgurar momentaneamente no breu. O desespero e o medo comprometem sua sanidade. Você junta o que está a mão e fabrica um arremedo de lança para se defender do que quer que esteja na escuridão. E finalmente vem o amanhecer... e depois dele muitos outros. Os dias passam e seu único objetivo é que mais deles passem. E você constrói uma tenda, você improvisa uma panela, você aprende como secar e salgar carnes, você explora mais e mais território.

E então chega o inverno... Encurtam-se os dias, a solidão aumenta, seu olhar cada vez mais distante e desesperançoso, a escuridão quase perene esmorece sua sanidade com maior velocidade. Os malditos lobos continuam a aterrorizar aleatoriamente os seus dias e noites. O vento gelado impede que você se afaste de seu acampamento, as plantas já não crescem mais, algumas de suas presas mais comuns hibernam e o alimento escasseia. Ao menos você tem sua magnífica barba para lhe proteger do frio. Sobreviver fica cada vez mais difícil, e você continua tentando impedir que aquele seja seu primeiro e último inverno. Mas ele é. E ele vai ser novamente. E de novo. E mais uma vez...

Don't Starve (Não Morra de Fome) é um jogo frustrantemente viciante. E tenha em mente que sou fã inabalável de jogos como Dark Souls e Bloodborne e adoro um roguelike do tipo Spelunky ou Rogue Legacy, então nível de dificuldade, repetição dos mesmos desafios, mortes permanentes e tudo mais que os caracteriza nem de longe me perturba. Ainda assim, o jogo de sobrevivência à la Minecraft da Klei Entertainment (Mark of the Ninja, Invisible Inc.), que alia tudo que há de mais potencialmente excitante daqueles citados anteriormente, conseguiu me deixar genuinamente possesso, pensando em destruir em um acesso de raiva o meu computador.

E Don't Starve tem quase tudo a seu favor: 
- Fascinante estilo artístico que casado com música e sons apropriados criam uma atmosfera desoladora, mas que ainda deixa espaço para leveza e para um certo humor negro como animações do Tim Burton (inclusive existe até um ótimo trailer (fake) do filme que seria dirigido por ele); 
- Sistema de criação de itens balanceado e complexo o suficiente para que você sinta que sempre há algo novo para testar; 
- Sistema de criação de mundos aleatórios para cada partida, mas que sempre mantém um mínimo de similaridade com as versões anteriores o suficiente para que ele pareça familiar; 
- Modo história/aventura desafiador e com um enredo simples, mas sinistramente intrigante;
- A capacidade de fazer você esquecer do tempo porque todo minuto parece essencial à sobrevivência do seu personagem do jogo. 

Contudo... Don't Starve tem uma única coisa que funciona contra ele, mas é uma única coisa que infelizmente faz com que você muito rápido perca o interesse nele: a falta de um senso de progressão. Você pode passar horas e mais horas em uma partida, construir um acampamento robusto, estar totalmente abastecido de comida, ter plantações crescendo, animais disponíveis para o abate e... uma matilha de lobos raivosos ataca-lo e o jogo acabar. Quando isso acontece, só lhe resta sentar e chorar, porque você vai ter que começar tudo de novo, passar pelas primeiras horas "extrativistas", construir tudo do zero e não levará nada da rodada antiga além da sua experiência pessoal. Frustração nível infinito!

O jogo se beneficiaria enormemente de um sistema de progressão. Uma segunda jogada traria algum benefício da primeira, nem que fosse uma parte dos itens que o "sobrevivente" anterior tivesse deixado. Poderia ser uma opção do jogador utilizá-la ou não: como o jogador pode escolher mais de um personagem com diferentes habilidades, porque não permitir que o novo personagem "encontre" um acampamento abandonado, ainda que depredado, para continuar a jogada. A penalidade por deixar o personagem anterior morrer seria não poder mais utilizá-lo naquele mesmo arquivo de salvamento. 

Independente disso, Don't Starve, mesmo com seu visual cartunesco, consegue ser apavorante e tenso, e possui mecânicas que garantem o engajamento constante, o que faz dele um jogo obsessivamente divertido. Contudo, a insatisfação e o desencanto ao final de uma partida e o tédio dos primeiros momentos de reconstrução em uma nova rodada são tão impactantes que vão fazer com que o jogador menos compulsivo desista de continuar relativamente rápido (e nem sou dos "menos compulsivos"). Ainda que com essa genuína e nada irrelevante ressalva, vale a pena esperar uma promoção da Steam para comprar o jogo e entreter-se em pelo menos algumas partidas com ele.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Black Mirror

Mal do século


Temporadas: 2

Episódios: 7

Eu era, e sou, fã de Além da Imaginação (Twilight Zone). Talvez fosse muito novo para me lembrar claramente dos episódios da versão mais recente que foi reproduzida na Globo nos anos oitenta, mas pude assistir alguns episódios da série original recentemente e mesmo mais de meio século depois eles continuam fantásticos (Nick of Time e Five characters in search of an exit são ótimos). Também sou fã de uma subcategoria cinematográfica chamada Mindbender, também conhecido pela alcunha menos elegante de Mindfucker, que enquadra filmes de diferentes gêneros, mas que distorcem de alguma maneira a realidade e confundem o expectador (Donnie Darko, Primer, Amnésia e Adaptação são alguns exemplos).

Esse parágrafo introdutório é apenas para dizer que, se você também se identifica com esses quebra-cabeças audiovisuais, existe uma grande chance de que Black Mirror vá ser um programa excelente para você. Nas palavras de seu criador Charlie Brooker (do bizarro e ácido Dead Set), "se a tecnologia é uma droga, Black Mirror é um tratado sobre seus efeitos colaterais". Black Mirror é uma espécie de herdeiro de Além da Imaginação com a mesma estrutura de episódios auto-contidos, porém abordando especificamente os efeitos de nossa obsessão com tecnologia. As tramas partem de situações reconhecíveis e relacionáveis para fazer questionamentos morais e éticos com os quais já convivemos e, mais ainda, com aqueles que ainda não percebemos e sobre os quais talvez devêssemos estar nos questionando.

A evolução da inteligência artificial e suas implicações, a vigilância constante e autorizada a que nos submetemos, o obscurecimento entre o que é humano e o que é máquina, a gamificação da vida, os limites da arte, a ditadura política das redes sociais e da mídia como um todo, a ubiquidade de telas e informações, o revanchismo, escravidão e tortura que estamos ansiosos em apoiar... São muitos os temas nos quais Black Mirror quer tocar com sua visão particularmente cínica, sombria e, por vezes, niilista. 

Cada uma das duas temporadas conta com uma história mais intimista, uma sátira política e um futuro distópico. Uma temporada espelha a outra: a sátira abre a primeira temporada e fecha a segunda e a intimista fecha a primeira e abre a segunda, sendo que essas últimas são justamente as duas melhores histórias do conjunto. Ainda que o todo seja fantástico, os episódios "distópicos" acabam sendo um pouco mais fracos. Porém, mesmo com tramas mais pueris, os dois conseguem manter a atenção ao ir revelando seu estranho universo pouco a pouco e nos mantendo curiosos. Há ainda um brilhante episódio especial de Natal que foi ao ar em 2014 protagonizado por Jon Hamm (o Don Draper de Mad Men). Com uma duração um pouco maior (cerca 80 a 90 min), o episódio é estruturado de forma a alinhavar três histórias diferentes, mas interligadas, e acaba valendo por mais uma micro-temporada.

Apesar do quão inventivas e aparentemente absurdas sejam as premissas dos episódios, paira o sentimento aterrorizante do quão plausíveis esses cenários acabam se mostrando. Talvez não agora, talvez não em dez anos, mas a grande maioria hipóteses poderia efetivamente concretizar-se, se não de forma idêntica, ao menos muito similar. Black Mirror entretém e ao mesmo tempo causa desconforto e chama à ação, principalmente no sentido de buscarmos mais conexão sem intermediários. Para Charlie Brooker estamos cada vez mais focados nas "sombras na caverna" e suas histórias estão aí para tentar nos forçar a olhar um pouco mais para o mundo como ele realmente é e principalmente como ele é para fora de nós mesmos. Parece-me uma mensagem que vale a pena ser ouvida, mas independente disso, Black Mirror é um programa satisfatório mesmo que seja só para se divertir.

sábado, 20 de junho de 2015

O Abrigo

Lenta tempestade de símbolos e metáforas


Direção: Jeff Nichols
Título Original: Take Shelter
Duração: 120 min
Idioma: Inglês
Lançamento: Jan/2011

O Abrigo precisa ser analisado por duas óticas diferentes, a de documentação do desenvolvimento de uma enfermidade mental e de como ela afeta o indivíduo e seus relacionamentos e a outra é como mero entretenimento dramático. O filme obtém muito sucesso na primeira vertente e um pouco menos na segunda.

O protagonista Curtis (Michael Shannon de O Homem de Aço, Possuídos, Boardwalk Empire) é um pacato operário e pai de família em uma cidadezinha no interior de Ohio. Ele começa a ter pesadelos com uma tempestade que se aproxima e com ataques violentos de entes queridos a ele. Pouco a pouco tais visões que Curtis acredita serem premonitórias passam a assolá-lo também quando desperto. A dificuldade em reconhecer onde termina a realidade de todos e começa a sua particular cresce junto com a angústia e o desespero, não só dele, mas de seus amigos, familiares e também de nós expectadores. 

Apoiado nas interpretações magistrais não só de Shannon, um ator que mereceria muito mais reconhecimento e exposição do que recebe, mas também da sempre competente Jessica Chastain (A hora mais escura, Histórias CruzadasA árvore da vida), O Abrigo é daqueles filmes em que não se fala muito, contemplação supera a ação em quase que toda a totalidade, e os conflitos acontecem em pequenos gestos e trocas de olhares. O ritmo arrastadíssimo é quebrado em algumas cenas fantásticas como a de um jantar beneficente comunitário em que Shannon tem a oportunidade de dar um daqueles inesquecíveis shows de interpretação.

Jeff Nichols, em seu primeiro longa como diretor, consegue manter enevoada até o último segundo de projeção a linha entre o que é real e é o que alucinação, permitindo que o expectador sinta o drama vivenciado pelo personagem. Nichols também escreve o roteiro e abusa de simbolismo e metáforas visualmente lindas e imageticamente profundas. A tempestade que se aproxima casa com as gradativas mudanças psico-fisiológicas do personagem e a deterioração de seus relacionamentos, relâmpagos rasgam o céu como impulsos elétricos passeiam desgovernados pelas sinapses de Curtis, pássaros voam em formação estranha como desbalanceamentos químicos, a chuva de óleo simboliza o corpo como máquina deteriorada, os ataques de entes queridos, a paranoia que leva esquizofrênicos ao isolamento e por aí segue.

O filme (in)felizmente conclui com uma "chuva de rãs" à la Magnolia, um evento que não se explica perfeitamente e parece ferir a lógica interna do filme, mas que também abre precedentes para discussões filosóficas sobre seu significado. Uma cena que chega não muito depois de um clímax minimalista de altíssimo nível que se passa no abrigo que dá título ao filme. Mais um momento para ver bons atores trabalhando e um roteirista fechando com maestria uma história bem amarrada. 

Um filme competentíssimo em todos os sentidos que como obra de arte mereceria a classificação máxima ou próximo disso, porém um filme lento, arrastado, silencioso, contido e todos os outros adjetivos que costumam ser eufemismos para o que qualquer expectador comum de cinema simplesmente chamaria de "chato". Recomendado para aqueles momentos em que você está com o sono em dia, paciência de sobra e vontade de se sentir um pouco mais inteligente.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

O Babadook

Precisamos falar sobre o Babadook

Direção: Jennifer Kent
Título Original: The Babadook
Duração: 93 min
Idioma: Inglês
Lançamento: Nov/2014

Diferente do Drama, um gênero que depende principalmente da sua identificação com o personagem e de seus conflitos internos para que consiga alcançar seu efeito, o Terror, assim como a Comédia são gêneros ingratos que dependem do inesperado e da novidade para serem efetivos. Você pode até se assustar com o gato que pula de fora da tela de repente ou com a sombra que aparece no espelho, mas serão apenas sustos, e o terror não se instalará através de artifícios tão manjados.

Para que o filme alcance seu objetivo, é preciso instaurar o horror em si, algo que não pode ser criado a partir da soma de sustos, mas com a construção de uma situação, muito próxima do que acontece no drama, em que a empatia natural do ser humano nos coloque na posição da vítima. Todo esse preâmbulo é apenas para defender o porque de eu ter gostado tanto de O Babadook, produção australiana de terror que apesar de também ser uma soma de sustos, consegue criar algo maior do que o entretenimento do fim de semana.

A trama do filme é protagonizada por uma jovem mãe viúva que sofre para criar um filho problemático após a morte inesperada do marido e atravessa seus dias em um estado de entorpecimento e desapego. O terror se instala quando o garoto vai se tornando cada vez mais intratável após se impressionar com a leitura de um livro infantil que fala sobre o "Babadook":

"If it's in a word. Or it's in a look.
You can't get rid of... the Babadook".

"Seja em uma palavra. Ou em um olhar.
Você não consegue do Babadook se livrar".

Desvirtuar elementos do cotidiano, por mais inocentes que pareçam, com um olhar sinistro, distorcido e pervertido não só não é novidade, como forma a base para praticamente todos os bons filmes de terror já feitos. O que torna O Babadook tão interessante é fazer isso para contar um drama tenso e trágico disfarçado de filme de gênero.

O filme está claramente dividido em três partes, sendo que na primeira, o foco é desenvolver a nada fácil relação entre a mãe Amelia, vivida por Essie Davie e seu filho Samuel, interpretado perturbadoramente bem pelo jovem e estreante Noah Wiseman. Amelia visivelmente não superou a trágica morte do marido e passeia pelos dias sem emoção. Antes uma pessoa solar, uma escritora de sucesso, hoje ela trabalha em um asilo, e por mais que cumpra seu papel de mãe, há sempre uma incômoda sensação de que ela rejeita o filho em algum nível ou outro.

Há muito de Precisamos falar sobre Kevin na primeira metade do filme, e como naquele, há momentos de muita angústia para o espectador ao se colocar no papel de Amelia e imaginar o quão difícil seria estar na mesma situação. É quase compreensível a rejeição ao filho e mais ainda a dor de ter consciência dessa rejeição, mesmo amando a criança. Amelia é vítima de Samuel, mas Samuel também é vítima de Amelia, um amor baseado na destruição mútua não-intencional. 

Porém, é na segunda parte, quando o garoto fica obcecado com a possível presença do Babadook em sua vida, que muitos dos momentos mais desesperadores acontecem. E é aqui que temos homenagens a clássicos como O Exorcista, A Profecia e O iluminado, entre outros. Versões elegantes de cenas famosas desses filmes compõe algumas dezenas de minutos enervantes e recompensadores e o próprio Babadook parece ser uma mistura de Nosferatu com Dr. Caligari. É difícil errar ao referenciar materiais tão bons.

Uma pena que a terceira parte do filme siga por um caminho mais próximo das produções de terror mais recentes, colocando seus protagonistas para enfrentar o monstro diretamente, como em Sobrenatural. Ao fazer isso (e também em algumas outras instâncias), o enredo peca ao colocar elementos que traem o que supostamente seria seu propósito ou sua estrutura, faz com que não pareça ser tão amarrado e diminui a potência e a ambiguidade da revelação final.

Jennifer Kent, uma atriz veterana mas diretora estreante, mostra conhecer bem o gênero e consegue tecnicamente dar um sopro de originalidade na sua coletânea de truques clássicos com uma montagem rápida, cenas que não seguem a tradicional lentidão silenciosa do suspense/terror e uma camada narrativa extra que, ainda que não muito sutil, funciona perfeitamente em conjunto com a história do Babadook. Mesmo que alguns cortes pareçam inadequados e amadores, pode-se facilmente justifica-los como uma opção consciente para esconder problemas orçamentários limitadores, pois o filme foi rodado com o baixíssimo orçamento de US$2,5 milhões somados a US$30 mil conseguidos em uma campanha do Kickstarter (obviamente antes que o financiamento de maior porte acontecesse).

No balanço geral, para os fãs do gênero, O Babadook é quase um item indispensável atualmente. Menos por ser uma maravilha cinematográfica, e mais por entender o que faz um suspense ou terror funcionar e com pouquíssimo orçamento montar um filme que fica muito acima da média do seu nicho. Fico na esperança de que essa seja apenas a primeira incursão no gênero de Kent e que tenhamos sustos ainda mais refinados sendo produzidos por ela futuramente.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Thirty Flights of Loving

Metacriminosos


Desenvolvedor: Blendo Games
Plataforma: Windows, OS X
Gênero: Adventure
Itens de série: narrativa não-linear e totalmente visual
Defeitos de fábrica: jogabilidade nula, custo x benefício negativo, enredo desinteressante.

Às vezes parece que há uma conspiração da crítica em direção a um determinado ponto de vista que é absolutamente intrigante. Thirty Flights of Loving é um exemplo dramático desses casos. Com uma pontuação no Metacritic de 88 da crítica especializada contra 49 dos usuários, é difícil não se posicionar contra os "especialistas" depois de "jogar" os 15 minutos de duração desse "jogo".

TFoL não poderia ser nem ao  menos considerado um jogo pois não há regras ou objetivos claros e não há muita agência do jogador a não ser movimentar o protagonista de um lado para o outro. Como narrativa interativa também não emociona muito, pois é uma história sobre três amigos criminosos, que termina como várias outras que você já acompanhou em outras mídias.

Há algumas boas ideias espalhadas em termos de construção de narrativa como eliminar completamente a HUD (a interface com o jogador) e os diálogos e ainda assim conseguir contar a sua história. Além disso, as passagens de cenas rápidas e cortadas surpreendem e dão agilidade à narração. No entanto, muito se elogiou sobre o estilo da arte e fora as cabeças quadradas das personagens, não percebi nada de realmente revolucionário ou minimamente diferenciado.

Creio ter demorado mais para escrever os parágrafos acima do que para jogar Thirty Flights of Loving  e, apesar de não ser meu principal problema com o título, ele custa na Steam impressionantes R$10,49 (comprei em alguma das milhares de promoções que eles fazem por 75% do preço, mas ainda assim é um absurdo). TFoL deveria, no máximo, estar no portfólio do estúdio como exemplo de suas habilidades narrativas. Cobrar por essa "experiência" parece-me quase tão desonesto e criminoso quanto os golpes que o trio protagonista de TFoL cometem.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

The Cave

Nem tudo que queremos é o que devemos ter


Desenvolvedor: Double Fine Productions 
Plataforma: PS3, Xbox, Wii, Mac, Unix
Gênero: quebra-cabeças, plataforma, aventura
Itens de série: bom humor, personagens carismáticos e alguns quebra-cabeças divertidos
Defeitos de fábrica: curtíssima duração, repetitivo, jogabilidade comprometida em alguns pontos, quebra-cabeças pouco desafiadores para o gamer mais experiente.

The Cave é novo jogo de Ron Gilbert responsável por horas de diversão da adolescência de gamers da minha geração com o divertido Monkey Island. A nova criatura mantém o bom humor e o visual cartunesco da antiga, mas só alcança o mesmo nível de excelência em esparsos momentos mais inspirados.

Conceitualmente, The Cave seria um hit sem qualquer risco: sete aventureiros caricatos, mas muito bem desenhados (o monge, o caipira, a cientista etc.) entram em uma caverna para conseguir aquilo que mais desejam e pouco a pouco o insuspeitado passado sombrio de cada um é desvendado em meio a quebra-cabeças divertidos e comentários cínicos ou sarcásticos da Caverna (sim, a Caverna fala).

Na prática, contudo, diversos erros de produção e desenvolvimento diminuem e muito a diversão que o jogo deveria proporcionar. E o mais frustrante é que a maioria deles poderia ter sido resolvidos sem maiores dificuldades. Vamos em partes:

Em todas as incursões à caverna, três personagens são escolhidos e o jogo permite que cada um deles seja controlado por um jogador diferente. Contudo, quando os personagens se separam (e estar separados é uma situação frequente e obrigatória durante o desenvolvimento da história) apenas um deles fica na tela e os outros dois precisam ficar esperando. Fica a questão: dividir a tela implicaria em muito mais esforço de programação? Toe Jam and Earl nos primórdios do Mega Drive já fazia isso, qual a desculpa para não faze-lo hoje em dia onde as TVs são megalomaniacamente maiores?

Além disso, a maior parte da exploração consiste em descer escadas ou cordas numa velocidade excruciante ou ficar repetindo um caminho apenas para fazer com que um segundo personagem repita exatamente os mesmos passos de um primeiro. Essas ações depois de muito pouco tempo tornam-se um exercício bastante irritante. Só com muita paciência você efetivamente jogará mais do que as três vezes necessária para conseguir abrir a fase específica de todos os sete personagens (você só entra na caverna com três deles por jogada, o último provavelmente irá com dois personagens que já foram, o que fará essa rodada ser muito, mas muito, repetitiva).

A jogabilidade e a resposta do controle também não é das melhores. Ao tentar descer para uma plataforma inferior seu personagem pode se agarrar numa outra plataforma que nem ao menos estava tão próxima ou ao tentar pular de uma plataforma para outra ele pode demorar um pouco mais de um segundo depois que você já apertou o botão para executar a ação e parar no fundo de um abismo. Isso quando ele não estiver preso em um loop eterno dentro de algum elemento aleatório do cenário. Novamente fica a questão: com a tecnologia de hoje em dia, há desculpa para esses tipos de bugs ou falhas de jogabilidade?

Um outro problema que não é estrutural mas certamente uma decepção é o fato de apesar de ter personagens tão variados e com poderes tão específicos, todos são intercambiáveis fora de suas áreas particulares (e mesmo nelas, às vezes, eles apenas são necessário para "entrar" na fase). Não faz a menor diferença qual deles você escolhe em termos de conclusão dos quebra-cabeças ou mesmo da exploração em si (com exceção, na minha opinião, do cavaleiro, cuja invencibilidade permite que ele se jogue de penhascos e transforma algumas entediantes descidas em algo suportável). Um pouco mais de esforço no desenvolvimento tornaria as áreas comuns muito menos repetitivas e o retorno à caverna muito mais satisfatório.

Nem tudo são problemas é claro, algumas ideias sensacionais estão espalhadas pelo jogo, como o museu do futuro em que objetos do nosso cotidiano são interpretados com a mesma acurácia com que nós interpretamos a vida de nossos antepassados ou um comentário que a Caverna faz sobre um dos visitantes anteriores (um palhaço). 

Alguns ambientes são extremamente divertidos e bem bolados como o Circo (fase especial do caipira) ou a instalação nuclear (fase da cientista). E matar um dinossauro no passado para ter petróleo no futuro é uma solução criativa, mas esse e a maioria dos outros quebra-cabeças representam pouco desafio para quem é mais experiente nesse tipo de jogo, já que as ferramentas para a solução necessariamente estão entre os poucos elementos destacados do ambiente e quando se tem apenas um gravador sem bateria, uma bateria sem carga e um tanque cheio de enguias, não é muito difícil decidir o que fazer, não é mesmo?

Alguns troféus específicos representam um desafio maior ou pelo menos extra, já que a partir de uma pequena frase, como, por exemplo, "Bem passado - sacrificou-se por um sabor incomparável", não é tão simples prever o que fazer ao longo do jogo para recebê-lo. Ainda assim, a grande maioria é tão óbvia quanto "Chegar ao final com todos os personagens". 

Mesmo com todos os problemas e considerando o relativamente baixo valor de aquisição (R$30 na Playstation Store), pelo menos nas primeiras quatro ou cinco horas que devem consumir a sua primeira e segunda passagem pela caverna, The Cave deve valer o investimento de tempo e dinheiro.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Braid


Arte e filosofia em sua melhor forma

Desenvolvedor: Hothead Games e Number None 
Plataforma: PS3, Xbox, PC
Gênero: quebra-cabeças, plataforma, conceitual
Itens de série: roteiro fabuloso e enigmático, mecanismo inovador, design encantador, vício extremo 
Defeitos de fábrica: curta duração, frustrações potenciais

Como não gostar dos jogos independentes?

O baixo orçamento obriga os criadores a explorar territórios menos convencionais para garantir um lugar ao sol no meio de uma indústria bilionária. E dessa necessidade surge inovação de verdade que permite aos jogadores experimentar algo diferente das tradicionais franquias que reciclam fórmulas ad eternum

Para os advogados de que “vídeo games emburrecem” o independente Braid é um tapa na cara. Mesmo para jogadores experientes e calejados, Braid fornece desafios inesperados ao exigir não só agilidade e precisão nos controles mas também um raciocínio incomum - raciocínio esse que parece ativar áreas inexploradas do seu cérebro que quebra-cabeças usuais não conseguem acessar.

O criador Jonathan Blow desenvolveu um mecanismo de “avanço” e “retrocesso” de imagens similar ao da Ubisoft no inovador Prince of Persia: Sands of Time e o evoluiu de forma a permitir que apenas parte dos elementos da tela sejam afetados ou que as movimentações no tempo estivessem ligados à movimentação do personagem na tela. Dessa maneira ele acabou criando um universo de possibilidades que Braid assimila de forma especialmente criativa. 

Para avançar em um determinado nível, é necessário seguir até um determinado momento no tempo em que você conseguiu abrir uma porta e então retroceder para um momento da jogada em que você estivesse em um local que te permita acessar aquela porta. Essa é uma das mecânicas mais simples que o jogo oferece - nível Easiest.

Entender os efeitos que você causa no ambiente e encontrar soluções para quebra-cabeças aparentemente impossíveis são de um prazer inebriante e a curva de aprendizado do jogo, muito bem desenhada, permite que os desafios já suplantados sejam base para resolução dos novos, mas ao mesmo tempo impede que soluções já consagradas sejam reutilizadas sem a adição de algum novo elemento.

O roteiro é um espetáculo à parte, etéreo e nebuloso, abrindo espaço para algumas interpretações alegóricas de um drama real ou outras mais diretas de uma fantasia. O desenho de fases com telas de fundo cobertas por pinturas impressionistas e elementos de jogo levemente retrô e datado, longe de ser um detrimento, são sim um complemento à trágica história do protagonista.

A curta duração inesperadamente também joga a favor de Braid pois impede que a mecânica do jogo fique repetitiva e sem inspiração e também garante que você não vá passar dias sem cuidar dos seus deveres mundanos definhando na frente da TV, frustrado com sua incapacidade de entender como tempo e espaço podem convergir e permitir seu avanço.

Braid ganhou diversos prêmios e do Xbox alcançou todas as outras plataformas, atingindo um público maior e ganhando o merecido reconhecimento. Custa cerca de R$30 na PSN e garante pelo menos umas cinco a seis horas de muito entretenimento.

Com um Metascore de 93 no Metacritic, o que garante o rótulo de "Universal  Acclaim" pelo site, Braid é uma experiência obrigatória que não só vai preencher sua necessidade de ser desafiado como jogador, mas também, como toda boa obra de arte, expandir suas percepções do mundo e da vida.