domingo, 22 de junho de 2014

Orphan Black

Clonicamente Viável

Temporadas: 2
Episódios: 20

Ontem assisti ao último episódio da segunda temporada de Orphan Black, uma série canadense que vai ao ar pela BBC. Confesso que foi com um pouco de tédio e desinteresse que passei por um bom tanto dos episódios anteriores, quase sempre em dúvida se o tempo dispendido com essa ficção científica realmente era válido. Todos os episódios traziam um ou outro elemento que se destacava e pedia para que eu checasse pelo menos mais uma sessão antes de tomar a decisão. E nessa balada, já chegamos ao final de duas temporadas.

Não me entendam mal, Orphan Black é um bom programa, realmente bom, só que escorrega em pontos importantes e passeia muito frequentemente pelo tosco. Sabe aquelas situações quando você percebe qual a intenção dos roteiristas, vê claramente que não está sendo atingida e bate uma certa vergonha alheia? Orphan Black tem muitas dessas. Porém, também há muitas outras vezes em que mesmo eles usando subterfúgios manjados, fazem de tal maneira que é impossível não sorrir e pensar "Mandou bem demais!".

Orphan Black dá início a sua saga com Sarah, um tipo não muito honesto que aparentemente vive de pequenos golpes. Em um dia qualquer, ela presencia o suicídio de uma mulher praticamente idêntica a ela no metrô de Toronto. Sarah, malandra como só, resolve assumir a identidade da falecida com o intuito detirar alguma vantagem da situação (além da natural curiosidade de saber mais sobre sua recém-descoberta "irmã gêmea"). Isso obviamente não acaba bem e ela se vê envolvida em uma trama conspiratória daquelas que qualquer pessoa com juízo gostaria de passar longe.

Segue um spoiler à frente, mas que na verdade, é tão spoiler quanto falar que Os Sopranos é uma série sobre a máfia: Orphan Black é sobre clonagem, ou se preferir, é sobre uma atriz usando diversos tipos de perucas diferentes, falando em diferentes sotaques, criando personagens as mais diversas possível com extrema competência e virtuosidade (e mesmo assim acaba esnobada pelo Emmy por dois anos seguintes). 

Tatiana Maslany, que interpreta a(s) protagonista(s), faz horas extras para levar a equipe nas costas. As melhores personagens sem dúvida são as diferentes versões dela mesma. E não só porque é sempre um prazer vê-la se esforçar para dar maneirismos, sotaques, expressões diferentes para cada um deles, mas sim porque elas são as personagens que possuem algum tipo de personalidade bem definida e funções proeminentes na história.

Há outras boas surpresas em termos de caracterizações, mas algumas delas só se desenvolvem depois de um tempo. Até é um prazer ver os roteiristas tentando tornar alguns dos personagens mais interessantes ao longo dos episódios, mas infelizmente a maioria das tentativas não é bem sucedida. Um dos personagens mais importantes da primeira temporada passa a segunda sem ter o que fazer e faz participações que chegam a ser constrangedoras de tão forçadas. Outro, no entanto, cresce a cada nova revelação e é interpretado por um dos poucos atores da série que conseguem evocar mais do que dois sentimentos.

De maneira geral, as personagens femininas (quase todas intepretads por Maslany) têm bastante profundidade, enquanto as masculinas, são rasas e ainda prejudicadas por interpretações que beiram o ridículo. Talvez seja proposital, já que a série parece ter um subtexto de objetificação da mulher, da invasão da privacidade e muitas vezes do corpo e do DNA feminino. Os homens da série parecem estar lá apenas para ser o interesse romântico da(s) protagonista(s) ou ser a representação unidimensional de um aspecto masculino não desejável (invasivo, distante, ameaçador etc.). 

Orphan Black não consegue evitar os clichês mais básicos do gênero sci-fi como corporações maligna, conspirações, cultos etc. O grande esquema ou o contexto maior às vezes parece não trazer nada de novo para mesa, mas consegue surpreender de vez em quando. Contudo, são nos elementos humanos que o programa se sobressai. Muitas vezes as cenas aparentemente banais da mãe suburbana Alison são muito mais interessantes do que as investigações, perseguições e similares vividas pela "protagonista" Sarah.

As duas temporadas que já foram ao ar são carregadas de tensão e ação. A primeira trabalha com antagonistas individuais e a segunda toma proporções maiores e começa a envolver grupos e abstrações. A série sabe trabalhar muito bem no primeiro caso, mais contida, mas começa a se perder quando o enredo exige o tratamento de conceitos maiores. O último episódio da segunda temporada abriu espaço para Orphan explorar um território ainda mais amplo, o que, se não vier acompanhado de um orçamento maior, pode fazer com que a série se desgaste contando histórias que ela não tem capacidade de contar com qualidade.

Orphan Black volta para sua terceira temporada já agora em abril, com todo um novo universo para explorar. Pode ser que ela consiga sair do mediano e tornar-se uma das melhores séries da TV, ou pode ser que finalmente perca completamente a direção. Orphan é do time de Bates Motel: nunca chega a ser espetacular, mas tem personagens interessantes o suficiente para que você queira continuar acompanhando sua jornada e potencial de se tornar a série que você acredita que ela merece ser.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

O lobo atrás da porta

Cinema de gênero com qualidade e Made in Brazil


Direção: Fernando Coimbra
Título Original: O lobo atrás da porta
Duração: 100 min
Idioma: Português BR
Lançamento: Jun/2014

Tudo começa com o sequestro de uma criança no subúrbio do Rio de Janeiro. Acompanhamos, junto com o delegado interpretado por Juliano Cazarré,  os depoimentos de cada um dos envolvidos. Tentamos reconhecer nos detalhes quem está realmente falando a verdade. Pouco a pouco uma história de desilusões, obsessões, violência e horror vai se configurando a partir de uma premissa aparentemente banal e tristemente comum.

A competência do diretor/roteirista Fernando Coimbra aparece principalmente na maneira sutil como ele consegue colocar para segundo plano o que seria o enredo principal, deixando-nos incertos se estamos vendo um policial, um suspense ou um romance. E sem qualquer artifício barato ou enganação, o clímax é do tipo que todo roteirista gostaria de escrever: imprevisível, mas ao mesmo tempo inevitável. 

Sua inevitabilidade é ainda mais forte se você conhecer de antemão a história real na qual o roteiro se baseia, porém elimina qualquer possibilidade de imprevisibilidade. Acredito que simplesmente formular a frase anterior já seja um spoiler e agradeço a mim mesmo por não ter lido resenhas antes de ver o filme, o que permitiu uma apreciação muito maior do enredo, que é revelado pouco a pouco em uma economia de informações que funciona positivamente para a construção dos personagens e da trama. 

A direção e a fotografia complementam muito bem o roteiro, mantendo desfocados os elementos que estão mais distantes do centro, lembrando-nos que o que estamos vendo são memórias ou simplesmente versões de uma história que está sendo contada por alguém. Enquadramentos estáticos e cenas mais longas e sem cortes permitem que os diálogos e o trabalho dos atores ganhem destaque e tenham muito mais peso (mas também fazem com que o filme pareça ter um ritmo mais lento).

Pode não parecer digno de nota, mas impressionou-me bastante: as cenas de sexo são bem coreografadas e realmente tem uma história pra contar. Longe de serem gratuitas, elas dizem mais dos personagens do que a maior parte dos diálogos. Difícil me recordar de um filme em que uma cena de sexo tenha sido tão bem aproveitada para o desenvolvimento de uma relação ou de uma personagem. Percebe-se que é um roteiro estudado, que foi editado à exaustão para conter apenas aquilo que fosse necessário. Não há uma mensagem clara a ser passada, mas sim o incômodo de quem quer enxergar o mundo em preto e branco e que não consegue aceitar os seus mais de cinquenta tons de cinza. 

E para coroar um trabalho tecnicamente bem realizado, o estreante (em longas) diretor/roteirista ainda conseguiu três atores para protagonizar a história que se entregam completamente a seu trabalho. Leandra Leal, Milhem Cortaz e Fabiula Nascimento estão todos soberbos, mas Leandra merece uma menção especial pela quantidade de camadas que ela adiciona a sua personagem. Frágil e perigosa ao mesmo tempo, vítima e algoz mescladas de forma inseparável: mesmo sem conhecermos o seu passado ou sua vida fora da história sendo contada, você consegue perceber que há um mundo interior vasto, ainda que doentio, naquela mulher.

O filme, no entanto, só não alcança a nota máxima, porque acho que o humor, que geralmente brota na figura do delegado, parece um pouco deslocado do restante do clima estabelecido para história (além de não ter achado o trabalho de Cazarré no mesmo nível dos outros atores). Esse fator diminui um pouco a minha admiração pelo filme, mas certamente é uma avaliação bem particular e subjetiva e acredito que não seja um problema para maioria dos expectadores.

Independente disso, e sem partir para o ufanismo, é ótimo ver filmes brasileiros que não sejam comédias escrachadas, biografias ou exposições regionalistas. Porque não temos mais filmes de suspense, de terror, de ficção científica ou de fantasia? Orçamento pode até ser uma desculpa para os dois últimos (pode, mas não deveria), mas no caso dos dois primeiros, pode-ser fazer suspense e terror com praticamente nada. O lobo atrás da porta está aí para mostrar que "sim, nós podemos". Parabéns a Fernando Coimbra e todos os envolvidos. Espero poder ver mais do trabalho de vocês.