sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Poesia


Sensibilidade para poucos

Direção: Chang-Dong Lee
Título original: Shi
Duração: 139 min
Idioma: Coreano
Lançamento: Fev/2011

Mais de trinta anos pesando na cabeça e algumas centenas de filmes no portfólio e ainda assim ainda não aprendi uma das regras básicas para a seleção do que ver: se os críticos são unânimes nos elogios rasgados, mas ningúem está falando no filme, é porque ele é um daqueles do qual ninguém gosta, mas se você falar mal é porque não entende nada de cinema.

A maioria dos filmes iranianos, mongóis, vietnamitas ou quaisquer outros em que o exotismo da origem tem mais valor que o filme em si cai nessa categoria: são insuportáveis, mas você só tem direito ao seu óculos de aro grosso, sua calça xadrez e um tíquete para o festival de cinema do Rio, se você disser que ele é sublime e de uma sensibilidade ímpar.

O Bonequinho pode ter até ter aplaudido de pé, o Omelete ter lançado quatro ovos e a maioria das mais respeitadas publicações norte-americanas e européias ter se jogado no chão de amores por ele, mas a verdade é que Poesia é desnecessariamente longo e absolutamente sem-graça. Ele é um daqueles filmes que você assiste e fica se sentindo um idiota por estar olhando por mais de cinco minutos para as folhas de uma árvore balançando com o vento e imaginando se não poderia estar fazendo algo melhor com a sua vida (mesmo que seja ir apreciar folhas de verdade balançando com o vento).

Não ajuda muito também a maneira blasé com que elementos como estupro, corrupção, assédio sexual, mal de Alzheimer e outras drogas pesadas que geram obras inteiras por si entram e saem do contexto sem muito alarde, enquanto o filme foca no aprendizado poético de Mija, a protagonista. Poesia parece gritar para você a todo momento a sua superioridade ao estar mais interessado nas sutis metáforas embutidas em cada uma das microscópicas ações de Mija ou nas suas enigmáticas interações com os diversos personagens masculinos do que com os traumáticos e relevantes eventos em si.

Enfim... Ler as resenhas sobre o filme e ver até onde as pessoas conseguem tirar significados ocultos em cada um dos intermináveis e soníferos planos de Poesia é muito mais divertido do que efetivamente assistir o filme.

Incêndios


Velha e maldosa expectativa

Direção: Denis Villeneuve
Título original: Incendies
Duração: 130 min
Idioma: Francês / Árabe
Lançamento: Fev/2011

Mesmo com os prêmios que levou pra casa, Incêndios não me despertou muito a curiosidade na época de seu lançamento. Talvez tenha sido a sensação de que fosse mais um daqueles filmes que ganha o amor da crítica mais pelo contexto histórico-sócio-econômico do que pelo seu valor como narrativa e cinema em si. Ou talvez tenha sido a dobradinha oriente médio-guerra religiosa que é mais feijão-com-arroz do que nordeste-miséria, rio-favela ou filme histórico brasileiro-ditadura. Isso não importa...

O que importa realmente é que fiquei impressionado com a quantidade de amigos que vieram espontaneamente me recomendar o filme, sempre acompanhando a dica com um "muito bom", "fantástico" ou "impressionante". Não dava para não ver depois de tanto aplauso e obviamente já não dava mais ver sem muita expectativa.

O filme realmente é bom ou, pelo menos, interessante, mas está longe da expectativa que criei para ele. Acreditei, principalmente pela qualidade da opinião dos amigos que o recomendaram, que ele teria uma abordagem fresca sobre a questão religiosa, ou uma narrativa inovadora ou um roteiro extremamente original. Incêndios infelizmente não tem nada disso, mas ao menos tem boas atuações e um roteiro sólido, ainda que apelativo.

O filme tem bons momentos de tensão, mas na maior parte do tempo uma narrativa fraca entrega antecipadamente e sem efeito os principais trunfos que tem na manga. As grandes viradas do filme são telegrafadas em cenas anteriores e fica um pouco constrangedor a formalidade e tom solene dos momentos de revelação que usualmente só confirmam o que o expectador já tinha tido tempo para absorver. 

Contudo, o ponto mais fraco do filme é o conjunto de coincidências ou os mecanismos do "destino" que são o cerne, o âmago do roteiro. Por demais inverossímeis, ainda que possíveis, a confluência de acontecimentos que abrem e fecham o filme é exagerada, apelativa e ainda me deixou com uma sensação de "já vi isso antes" (ainda que não tenha conseguido identificar onde). Menos certamente teria sido mais nesse caso.

Enfim, Incêndios leva uma recomendação um pouco melhor (4 de 5) do que mereceria pela experiência proporcionada porque foi prejudicado pelas altas expectativas que me criaram recomendações anteriores. Sem elas, no entanto, eu provavelmente nem o teria visto e acho que ele é muito melhor do que muitos filmes que acabei decidindo ver ultimamente.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

127 horas

Os triunfos de um sobrevivente, um diretor e um ator
 

Direção: Danny Boyle 

Título original: 127 hours 
Duração: 94 min 
Idioma: Inglês 
Lançamento: Fev/2011 

Não há grandes surpresas no roteiro de 127 horas para além do que quase todo mundo a essa altura já sabe: homem precisa amputar o próprio braço para poder sobreviver. Contudo a a criatividade de Danny Boyle arranja diversas maneiras de agüentar o tédio de tantas horas em um mesmo ponto (mimetizando as invencionices de seu próprio personagem tentando passar o tempo). A música é com certeza um dos pontos altos, propositalmente deslocada em algumas cenas e apoteoticamente exagerada em outras, mas também são favoráveis as belíssimas tomadas aéreas, a granularidade de filme mais densa para enfatizar a textura das rochas, a iluminação (ou falta de) adequadamente simbólica, a edição frenética das imagens, os ângulos não-convencionais da câmera e até mesmo o timing perfeito com que o título do filme surge na tela, tudo beira a perfeição visual e sonora em 127 horas
Toda essa qualidade técnica seria, no entanto, em vão se na pele do solitário protagonista, comandando um longo "monólogo", não estivesse James Franco, em sua mais fascinante performance até o momento. Inventivo, arrogante, charmoso, inteligente, desesperado, corajoso... Enfim, Franco realmente dá uma complexa vida interior a seu Aron Ralston e faz com que queiramos passar com ele esses angustiantes e aparentemente eternos cinco dias e torcer com tristeza para que chegue logo a sua inevitável, mas libertadora, conclusão. 

127 horas é um filme fantástico que só não alcança um lugar entre os melhores, porque por mais que a direção seja engenhosa e a atuação impecável, o roteiro, por premissa, faz com que o filme passe a impressão de se arrastar por muito mais tempo do que os seus 94 minutos.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O discurso do rei

Genuinamente um candidato ao Oscar

Direção: Tom Hooper
Título original: The king's speech
Duração: 118 min
Idioma: Inglês
Lançamento: Fev/2011


O discurso do rei é um filme visivelmente idealizado para ser indicado ao Oscar e dada a competência da execução fica fácil entender porque acabou levando a estatueta. Uma história sobre amizade com pano de fundo político e histórico e dois atores de peso para contracenar - como poderia dar errado? Infelizmente, essa ânsia pela premiação acaba sendo o maior defeito do filme, que torna cenas mais triviais (o próprio discurso do título) em momentos apoteóticos de superação humana. Uma extravagância que, no entanto, não tira o brilho das interpretações geniais de Colin Firth (merecido Oscar) e Geoffrey Rush ou dos diálogos inspirados do roteiro de David Seidler. Nem sempre o vencedor do Oscar é um filme que valha o tempo investido, mas certamente não é esse o caso.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Cisne negro


Angustiante Obssessão

Direção: Darren Aronofsky
Título original: Black Swan
Duração: 108 min
Idioma: Inglês
Lançamento: Fev/2011

Já se falou tanto nesse filme, que nem vale a pena perder muito tempo na resenha: sim, ele é fantástico e cai facilmente na categoria "obrigatório". Foi merecido o Oscar de melhor atriz que Natalie Portman levou por seu retrato angustiante de uma obssessão auto-destrutiva pela perfeição, assim como também foi merecida a nominação para a direção tensa e enervante de Darren Aronofsky. O filme conta ainda com outras estrelas em atuações "naturais", resultantes de acertada escolha de elenco: Mila Kunis, Winona Ryder e Barbara Hershey. Outro ponto positivo é que não é necessário entender nada do competitivo mundo do balé clássico, pois o roteiro é didático o suficiente para te colocar a par não só do enredo de O Lago dos Cisnes, obviamente essencial à trama, mas também do que essa montagem e a posição de primeira-bailarina significam para quem respira balé. 

Acompanhar a degradação alucinante de Nina Sayers em busca da perfeição é uma jornada cansativa e desgastante, ainda que recompensadora. Aronofsky já nos tinha colocado antes nessa posição de expectadores de inevitáveis derrocadas - seja pelas drogas (Requiém para um sonho), pela loucura (Pi), pela decadência (O Lutador) ou pela perda (A fonte da vida), e aqui estamos nós mais uma vez para uma sessão de "tortura psicológica" da melhor qualidade.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

The Big Short - Michael Lewis

A arte de atirar pedras em cachorro morto 


The Big Short segue a história de quatro personagens: três gerentes de pequenos fundos de investimento e um broker do Deutsche Bank. Nenhum deles figurou entre os vários nomes circulando nos jornais durante a crise dos últimos três anos, mas os quatro de uma maneira ou de outra previram o que ia acontecer com certa antecedência e foram capazes de apostar contra o mercado de securitização de hipotecas subprime, fazendo muito dinheiro enquanto o mundo entrava em desespero. 

Lewis escolheu personagens bastante peculiares e ele consegue pintá-los ainda com mais cores, a ponto de dar a eles mais humanidade do que as suas versões da vida real devem efetivamente transparecer. Essas personas, aliados a uma prosa inflamada, rápida e fluida, fazem de The Big Short um livro agradável e relativamente fácil, mesmo versando sobre um assunto denso (apesar de afetar a vida de praticamente todas as pessoas) e supostamente complicado. 

Não há porque esperar nesse livro uma visão imparcial das motivações, causas e efeitos que levaram à derrocada financeira norte-americana de 2008, principalmente porque os personagens estavam todos em apenas um dos lados da complexa equação. Dessa maneira, agências de avaliação de risco de crédito, bancos de investimento, seguradoras como AIG e outras figuras da indústria financeira, todos levam pauladas de todas as direções possíveis e os insultos vão da mera incompetência, passando pela estupidez até a canalhice pura. 

Wall Street e suas mágicas financeiras são pouco a pouco desmistificadas e simplificadas ao ponto de você não conseguir ver todo o mercado de securitização como algom mais que um bando de idiotas apostando somas gigantescas em um grande jogo de roleta (com o dinheiro dos outros, obviamente). Em nenhum momento, porém,  o discurso descamba para a falta de bom senso e extremismo que geralmente permeiam a inflamada oratória esquerdista contra o capitalismo e lembra muito mais um "idealista" que acredita na indústria e descobriu seus princípios traídos por aqueles que a compõe. Mais uma vez: imparcialidade e auto-crítica não são exatamente grandes qualidades do livro. 

Enfim, para aqueles para quem o mundo das finanças é tão alienígena quanto às onze ou não sei mais quantas dimensões da realidade quântica, o livro de Lewis pode parecer intrincado e convoluto demais e passará longe de ser considerado uma leitura agradável. Para aquele nicho de leitores, interessados em compreender de maneira mais ampla como o mundo chegou à complicada crise dos últimos anos, The Big Short, generalizações e caricaturas à parte, certamente é uma leitura intrigante e recompensadora.