Uma inocente e onírica história de amor
Direção: Hayao Miyasaki
Título original: Gake no Ue no Ponyo
Duração: 101 min
Idioma: Japonês
Lançamento: Jul/10
Ponyo é uma daquelas obras que te deixa sem saber se alguns elementos "estranhos" do roteiro são uma intenção deliberada do autor ou simplesmente um daquelas pequenas idiossincrasias culturais tão difíceis de se compreender e aceitar naturalmente. Não que haja qualquer coisa essencialmente bizarra ou incompreensível, mas sim pequenos detalhes, diálogos deslocados, reações aparentemente desconexas dos personagens, um distaciamento da estrutura narrativa com que estamos acostumados.
Um estranhamento constante me aflige, como se meu cérebro estivesse procurando uma lógica familiar e não consegue encontrá-la. Elementos corriqueiros parecem impróprios: minha dificuldade em estabelecer a relação entre os personagens - se eles são realmente mãe e filho, uma vez que só se chamam pelo primeiro nome e tem uma relação um diferente da que estou acostumado; algumas atitudes que parecem ser rudes em algum momento, mas que os outros personagens parecem alheios a elas ou mesmo as declarações de amor eterno e aceitação mútua de crianças de cinco anos que para nossas cabeças ocidentais parece mais adequada a adultos.
Em um nível ainda mais amplo e, por isso, mais intrigante, o grande desafio que os personagens principais enfrentam parece encolher-se e sua mecânica (ou as regras) não parecem ficar clara em qualquer momento. O próprio destino da humanidade e a catástrofe iminente é diminuída perto do relacionamento dos pequenos. É possível que outras crianças da mesma idade não terão esses mesmos sentimentos, já que para elas esse esquema pode ser justamente a lógica esperada (pontos para Myiaki se essa tiver sido sua intenção).
O ritmo também não lembra nem um pouco as frenéticas animações americanas como Shrek ou Toy Story e Miyasaki deixa tempo suficiente para o expectador apreciar suas paisagens, suas cores de fundo, o bailado de traços na tela e perde menos tempo com a ação em si. O prazer de ver essa animação vem muito menos do riso e da adrenalina e muito mais de um voyeurismo natural - aquele prazer de sentar-se em um parque e simplesmente observar as pessoas e a maneira como elas se relacionam - nos pequenos detalhes, nos gestos mais simples e na cumplicidade absoluta.
Alguns elementos, como em outros trabalhos de Myiasaki, são desenhados de maneira quase primária, pois não é a destreza dos traços que importa, mas sim para que eles são utilizados. Assim ondas tão simples quanto um par de curvas tornam-se um emaranhado onírico de um azul-escuro ameaçador e, em um dos melhores momentos do filme, a "rabiscada" Ponyo ganha um porte poderoso e dinâmico enquanto plana velozmente sobre as ondas e persegue o carro que dança pelos penhascos fugindo da tsunami.
Ponyo é muito mais leve que e não alcança a beleza simbólica e fantástica de A viagem de Chihiro, mas está certamente muito acima de outras animações ocidentais recentes (ainda que seja injusto compará-las, já que se propõe a estilos completamente diferentes). Ponyo é uma pausa merecida para respirar, um filme que te permite mergulhar no prolongado e estroboscópico silêncio da sequência inicial ou desfrutar do distanciamento que uma língua indecifrável pressupõe (não há nem discussão, quanto assistí-lo no idioma original ou dublado).
Enfim... fascínio, escapismo e inocente divertimento garantidos.