quinta-feira, 19 de março de 2015

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Tecnicamente irrepreensível, mas...

Direção: Alejandro Gonzáles Iñárritu
Título Original: Birdman or (The unexpected virtue of ignorance)
Duração: 119 min
Idioma: Inglês
Lançamento: Jan/2015

Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância) ganhou o último e mais importante prêmio da cerimônia do Oscar, o de melhor filme. Levou também os prêmios de melhor diretor, fotografia e roteiro original. Foi justo? Como acontece com quase todas as perguntas para as quais damos pelo menos uma certa importância na vida, a resposta é simplesmente "depende". Depende muito do que você espera de um vencedor do Oscar, depende dos seus valores, depende da sua conexão emocional com o filme, dentre outros parâmetros.

Pessoalmente, se tivesse que escolher o melhor filme desse ano, teria dado a estatueta para O Grande Hotel Budapeste. Acredito que um Wes Anderson merece ganhar pelo menos uma vez e vai ser difícil você conseguir ser mais Wes Anderson do que em O Grande Hotel Budapeste. Assisti a apenas mais três dos filmes que concorreram, mas por trailers e cenas que já rodaram na internet e na própria cerimônia do Oscar, entendo que Birdman tenha levado o prêmio porque ousou tecnicamente, acertou no roteiro e foi muito feliz na escolha de seu elenco. 

A ousadia de Birdman evidencia-se principalmente no formato que é puro experimentalismo e descarada vontade de mostrar que "sim, é possível" fazer um filme inteiro como um grande plano-sequência. O prêmio de fotografia (ou atualmente cinematografia) era uma barbada, já que boa parte da diversão do filme é tentar entender onde foram feitos as quebras entre as cenas ou como certas tomadas que atravessam grades, paredes etc, foram realizadas.

Talvez seja um pouco de exagero adjetivar o roteiro como inovador, mas fato é que ele ao menos não é tradicional e fala de temas que tocam a sensibilidade dos tais "membros da Academia", aquelas figuras míticas que são citadas a todo minuto na cerimônia do Oscar, mas que ninguém parece saber exatamente quem são. Birdman narra os dias que antecedem a estreia na Broadway de um ator mundialmente conhecido por ser um pioneiro da onda de filmes de super-heróis que tomou conta de Hollywood nas duas últimas décadas. 

Riggan Thomson, interpretado por Michael Keaton, quer provar para o mundo e para si mesmo que é mais que um corpo em uma roupa de látex fingindo voar pela cidade. Para isso ele escreve, produz e protagoniza uma peça baseada em um antigo material de Raymond Carver. Somando ao estudo de personagem que já surgiria dessa premissa estão elementos fantásticos e metafóricos associados à psique de Riggan: ele acredita que tem (ou realmente tem) poderes super-humanos como seu antigo alter-ego, o super-herói Birdman (alter-ego esse que está constantemente discutindo com Riggan).

Se alguém associou a escolha de Michael Keaton ou Birdman com a série de filmes do Batman, tome aqui uma sardinha. Não só ele, mas também alguns de seus companheiros de elenco são profissionais conceituados que também já colocaram seu talento em prol da quadrinização do cinema. Emma Stone e Edward Norton, no entanto, levaram suas indicações aos prêmios de melhor ator e atriz coadjuvante sem muito esforço, tendo acertado em cheio uma ou duas cenas (Norton mais que Stone), mas Keaton permanece a maior parte do tempo em tela e muitas vezes está irreconhecível. Não levou o Oscar, mas arrebatou vários outros prêmios nas semanas que antecederam a cerimônia. 

A performance de Keaton não é pro meu gosto pessoal, pois ele parece uma versão melhorada (e muito) da escola cocainômana de atuação Fábio Assunção, sempre se movendo, sempre de olhos arregalados e tensos, mesmo quando a cena pede uma postura mais relaxada (que são poucas no caso de Birdman). Porém é impossível não admitir que foi um trabalho de atuação digno de aplausos e que nos deixa, no mínimo, uma cena antológica em que ele anda de cuecas pela Times Square, enquanto é assediado por fãs.

A superposição do fantasioso com o real, a loucura metafraseando a realidade, os paralelos das carreiras dos atores envolvidos no filme com o que os personagens estão vivendo: todas essas camadas tornam a experiência de Birdman muito mais interessante do que a de seus concorrentes. Além da experiência estética, das boas atuações, soma-se esse roteiro que brinca em seus diálogos e situações com símbolos e metáforas de uma maneira orgânica e inteligente.

E se a cinematografia, o roteiro e as atuações beiram o impecável, por outro lado, há aspectos que podem criar uma sensação de desconexão ou afastamento do expectador com o filme. Birdman é, por exemplo, bastante exaustivo e cansativo. Todos os personagens são intensos, todas as emoções estão constantemente a extravasar pela tela. Não há alívio, não há mudança de tempo, são duas horas em uma batida forte e mesmo quando o ritmo dá uma trégua (nas cenas de Riggan com sua ex-esposa, por exemplo), há um mal-estar ou uma tensão oculta no ar.

Além disso, fora do meio artístico e principalmente do cinema/teatro, é difícil se conectar com o dilema vivido pelo protagonista (ainda que seja relativamente fácil de compreende-lo). É como se eu conseguisse perfeitamente entender o que o filme está querendo entregar, mas não valorizar a mensagem. Essa falta de empatia não me permite apreciar o filme tanto quanto o meu lado racional acredita que deveria.  

No discurso no Oscar, o diretor Alejandro Iñarritu mencionou, para meu espanto, ter ficado feliz de finalmente fazer uma comédia. Uma declaração que só faz sentido se acreditarmos que seja uma tremenda ironia ou se buscarmos um nível muito mais conceitual do que seria uma comédia. Ainda que haja momentos, e muitos, tragicômicos, a tragédia é quem dá o tom e faz-se muito mais imponente nessa tour-de-force teatral. Contudo, quando fica dificíl encaixar uma obra de arte em uma caixinha específica já é um bom sinal de que algo de interessante está acontecendo ali.

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