sexta-feira, 22 de maio de 2015

O vendedor de passados

Passado Malpassado

Direção: Lula Buarque de Hollanda
Título Original: O vendedor de passados
Duração: 82 min
Idioma: Português
Lançamento: mai/2015

Não há desperdício nos enxutos 82 minutos de projeção de O vendedor de passados. A abordagem econômica age tanto em detrimento quanto a favor do filme: salva o expectador de diálogos redundantes e cenas que não avançam o enredo, mas também não permite que a trama aproveite satisfatoriamente sua ótima premissa.

É gratificante que não haja qualquer troca de frases entre os personagens que não estejam lá para gerar conflito ou para fornecer uma nova informação efetivamente necessária para a trama. Ainda que algumas falas, mesmo saindo da boca de excelentes atores, às vezes pareçam desprovidas de naturalidade e fluidez, o conteúdo das discussões, na sua maioria, mantém nossa atenção na tela.

Contudo, por melhor que sejam, os diálogos servem para compor um enredo que não alcança seu potencial. A história que nos é servida é protagonizada por Vicente (Lázaro Ramos), um carioca que vive de montar álbuns, filmes e outros materiais que ajudem a reescrever o passado de seus clientes com eventos que nunca aconteceram, mas que eles desejam, por motivos diversos, que tivessem acontecido. A (primeira de muitas) virada da história vem quando uma misteriosa cliente, interpretada por Alinne Moraes, contrata Vicente para criar um passado sem qualquer referência e com uma única condição: que nele ela tivesse cometido um crime.

A partir desse encontro, o roteiro vai nos servindo pequenas porções de informações, sempre em pratos com ótima apresentação, mas de sabor inconstante. Longe de se ater a um gênero e tema, a refeição passeia pela comédia, pelo romance e pelo thriller, sempre temperada com o mistério e a estranheza típicos da ficção científica. Quando chega a conta, que vem cedo demais e sem ser solicitada, somos cobrados por algo muito diferente do que achávamos que estávamos saboreando. 

Discussões sobre identidade, solidão, ética, verdade acabam sendo tocadas de modo rasteiro e servem apenas para distrair-nos da verdadeira intenção do filme. Um artifício que normalmente seria louvável se o conjunto final não fosse tão insosso. "Porque um carioca de 30 anos, bonito, vai se apaixonar e querer se envolver com alguma pessoa?". Essa é uma das perguntas que o diretor Lula Buarque de Hollanda se propôs a responder com seu filme (palavras dele mesmo retiradas de uma entrevista). Considerando todas as possibilidades que a premissa permitia, parece-me uma escolha equivocada (subjetivo, tenho consciência disso).

O ponto é que se assumíssemos que a intenção do filme fosse desconstruir um gênero e subverter as expectativas, como acontece, por exemplo, no esperto Gone Home, ele até poderia ter sido um exercício interessante. Não pareceu-me, no entanto, ser esse o caso em O Vendedor de Passados. Ao invés da impressão final ter sido "Uau, fui enganado direitinho", ela foi "Jura, era sobre isso então?". 

De qualquer maneira, o longa adapta com competência o romance do angolano José Eduardo Agualusa para a realidade brasileira ao buscar em ex-gordos, transexuais e mulheres de passado duvidoso os clientes para o serviço ímpar oferecido por Vicente (no original, os principais clientes são emergentes com dinheiro e sem um passado "digno" à altura). Também acerta ao usar a ditadura argentina e não a brasileira como pano de fundo para o passado de um dos personagens, além de apresentar personagens pitorescos e interessantes como a colecionadora de álbuns de fotografias antigos.

Lázaro Ramos já levou um prêmio de melhor ator no Cine PE por esse filme. Ele dá vida a um Vicente contido, desconfiado, distante e visivelmente incomodado com o mundo. Um ótimo trabalho de interpretação, mas longe de ser o seu melhor. Alinne Moraes, por sua vez, consegue criar perfeitamente a incógnita que sua personagem pede para ser. Ela é propositalmente uma casca, seus olhos parecem desprovidos de emoção. Emoção essa que só aflora premeditada, racional e conscientemente. Não é ela a protagonista, mas é a personagem que acrescenta aquele quê de picância que todo prato precisa.

No fim, fica a sensação de que o próprio filme deveria contratar Vicente para construir um passado mais relevante para si mesmo. O Vendedor poderia render um thriller muito mais intenso e que infelizmente termina tendo tocado apenas parte do extenso universo que o tema poderia render. Ainda assim, é mais uma vez agradável ver que nosso cinema está investindo em algo que não sejam comédias e filmes regionais com as mesmas histórias de sempre. Que venham mais obras como essa e cada vez melhores.

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