quinta-feira, 18 de junho de 2015

O Babadook

Precisamos falar sobre o Babadook

Direção: Jennifer Kent
Título Original: The Babadook
Duração: 93 min
Idioma: Inglês
Lançamento: Nov/2014

Diferente do Drama, um gênero que depende principalmente da sua identificação com o personagem e de seus conflitos internos para que consiga alcançar seu efeito, o Terror, assim como a Comédia são gêneros ingratos que dependem do inesperado e da novidade para serem efetivos. Você pode até se assustar com o gato que pula de fora da tela de repente ou com a sombra que aparece no espelho, mas serão apenas sustos, e o terror não se instalará através de artifícios tão manjados.

Para que o filme alcance seu objetivo, é preciso instaurar o horror em si, algo que não pode ser criado a partir da soma de sustos, mas com a construção de uma situação, muito próxima do que acontece no drama, em que a empatia natural do ser humano nos coloque na posição da vítima. Todo esse preâmbulo é apenas para defender o porque de eu ter gostado tanto de O Babadook, produção australiana de terror que apesar de também ser uma soma de sustos, consegue criar algo maior do que o entretenimento do fim de semana.

A trama do filme é protagonizada por uma jovem mãe viúva que sofre para criar um filho problemático após a morte inesperada do marido e atravessa seus dias em um estado de entorpecimento e desapego. O terror se instala quando o garoto vai se tornando cada vez mais intratável após se impressionar com a leitura de um livro infantil que fala sobre o "Babadook":

"If it's in a word. Or it's in a look.
You can't get rid of... the Babadook".

"Seja em uma palavra. Ou em um olhar.
Você não consegue do Babadook se livrar".

Desvirtuar elementos do cotidiano, por mais inocentes que pareçam, com um olhar sinistro, distorcido e pervertido não só não é novidade, como forma a base para praticamente todos os bons filmes de terror já feitos. O que torna O Babadook tão interessante é fazer isso para contar um drama tenso e trágico disfarçado de filme de gênero.

O filme está claramente dividido em três partes, sendo que na primeira, o foco é desenvolver a nada fácil relação entre a mãe Amelia, vivida por Essie Davie e seu filho Samuel, interpretado perturbadoramente bem pelo jovem e estreante Noah Wiseman. Amelia visivelmente não superou a trágica morte do marido e passeia pelos dias sem emoção. Antes uma pessoa solar, uma escritora de sucesso, hoje ela trabalha em um asilo, e por mais que cumpra seu papel de mãe, há sempre uma incômoda sensação de que ela rejeita o filho em algum nível ou outro.

Há muito de Precisamos falar sobre Kevin na primeira metade do filme, e como naquele, há momentos de muita angústia para o espectador ao se colocar no papel de Amelia e imaginar o quão difícil seria estar na mesma situação. É quase compreensível a rejeição ao filho e mais ainda a dor de ter consciência dessa rejeição, mesmo amando a criança. Amelia é vítima de Samuel, mas Samuel também é vítima de Amelia, um amor baseado na destruição mútua não-intencional. 

Porém, é na segunda parte, quando o garoto fica obcecado com a possível presença do Babadook em sua vida, que muitos dos momentos mais desesperadores acontecem. E é aqui que temos homenagens a clássicos como O Exorcista, A Profecia e O iluminado, entre outros. Versões elegantes de cenas famosas desses filmes compõe algumas dezenas de minutos enervantes e recompensadores e o próprio Babadook parece ser uma mistura de Nosferatu com Dr. Caligari. É difícil errar ao referenciar materiais tão bons.

Uma pena que a terceira parte do filme siga por um caminho mais próximo das produções de terror mais recentes, colocando seus protagonistas para enfrentar o monstro diretamente, como em Sobrenatural. Ao fazer isso (e também em algumas outras instâncias), o enredo peca ao colocar elementos que traem o que supostamente seria seu propósito ou sua estrutura, faz com que não pareça ser tão amarrado e diminui a potência e a ambiguidade da revelação final.

Jennifer Kent, uma atriz veterana mas diretora estreante, mostra conhecer bem o gênero e consegue tecnicamente dar um sopro de originalidade na sua coletânea de truques clássicos com uma montagem rápida, cenas que não seguem a tradicional lentidão silenciosa do suspense/terror e uma camada narrativa extra que, ainda que não muito sutil, funciona perfeitamente em conjunto com a história do Babadook. Mesmo que alguns cortes pareçam inadequados e amadores, pode-se facilmente justifica-los como uma opção consciente para esconder problemas orçamentários limitadores, pois o filme foi rodado com o baixíssimo orçamento de US$2,5 milhões somados a US$30 mil conseguidos em uma campanha do Kickstarter (obviamente antes que o financiamento de maior porte acontecesse).

No balanço geral, para os fãs do gênero, O Babadook é quase um item indispensável atualmente. Menos por ser uma maravilha cinematográfica, e mais por entender o que faz um suspense ou terror funcionar e com pouquíssimo orçamento montar um filme que fica muito acima da média do seu nicho. Fico na esperança de que essa seja apenas a primeira incursão no gênero de Kent e que tenhamos sustos ainda mais refinados sendo produzidos por ela futuramente.

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