quarta-feira, 24 de junho de 2015

Don't Starve

Viciante Frustração

Desenvolvedor: Klei Entertainment
Plataforma: PS4, PS Vita, Wii U, Windows, OS, Linux
Gênero: Roguelike, Sobrevivência, Tower Defense
Itens de série: atmosfera e clima, sistema de criação de itens, tensão e desafio. 
Defeitos de fábrica: falta de progresso entre partidas, confuso para iniciantes

Você acorda em um lugar inóspito, nada além das roupas do corpo e uma mente brilhante para te proteger. A noite se aproxima e você deixa de lado a confusão e começa a coletar tudo o que pode ser útil para sua sobrevivência. Com gravetos e pedregulhos você fabrica um machado primitivo, derruba uma árvore mirrada e já tem a lenha para a fogueira que vai mante-lo aquecido e afugentar ameaças na escuridão que já começa a se insinuar. Você encontra o que parecem ser tocas de algum animal no chão e reza para que as armadilhas improvisadas permitam que você tenha algo mais substancial que frutas silvestres e cogumelos para comer no dia seguinte. 

Chega a noite e por mais que atice a fogueira, as trevas o cercam cheias de sons assustadores. Você pensa ter visto algo se aproximando. Olhos aterrorizantemente volumosos parecem fulgurar momentaneamente no breu. O desespero e o medo comprometem sua sanidade. Você junta o que está a mão e fabrica um arremedo de lança para se defender do que quer que esteja na escuridão. E finalmente vem o amanhecer... e depois dele muitos outros. Os dias passam e seu único objetivo é que mais deles passem. E você constrói uma tenda, você improvisa uma panela, você aprende como secar e salgar carnes, você explora mais e mais território.

E então chega o inverno... Encurtam-se os dias, a solidão aumenta, seu olhar cada vez mais distante e desesperançoso, a escuridão quase perene esmorece sua sanidade com maior velocidade. Os malditos lobos continuam a aterrorizar aleatoriamente os seus dias e noites. O vento gelado impede que você se afaste de seu acampamento, as plantas já não crescem mais, algumas de suas presas mais comuns hibernam e o alimento escasseia. Ao menos você tem sua magnífica barba para lhe proteger do frio. Sobreviver fica cada vez mais difícil, e você continua tentando impedir que aquele seja seu primeiro e último inverno. Mas ele é. E ele vai ser novamente. E de novo. E mais uma vez...

Don't Starve (Não Morra de Fome) é um jogo frustrantemente viciante. E tenha em mente que sou fã inabalável de jogos como Dark Souls e Bloodborne e adoro um roguelike do tipo Spelunky ou Rogue Legacy, então nível de dificuldade, repetição dos mesmos desafios, mortes permanentes e tudo mais que os caracteriza nem de longe me perturba. Ainda assim, o jogo de sobrevivência à la Minecraft da Klei Entertainment (Mark of the Ninja, Invisible Inc.), que alia tudo que há de mais potencialmente excitante daqueles citados anteriormente, conseguiu me deixar genuinamente possesso, pensando em destruir em um acesso de raiva o meu computador.

E Don't Starve tem quase tudo a seu favor: 
- Fascinante estilo artístico que casado com música e sons apropriados criam uma atmosfera desoladora, mas que ainda deixa espaço para leveza e para um certo humor negro como animações do Tim Burton (inclusive existe até um ótimo trailer (fake) do filme que seria dirigido por ele); 
- Sistema de criação de itens balanceado e complexo o suficiente para que você sinta que sempre há algo novo para testar; 
- Sistema de criação de mundos aleatórios para cada partida, mas que sempre mantém um mínimo de similaridade com as versões anteriores o suficiente para que ele pareça familiar; 
- Modo história/aventura desafiador e com um enredo simples, mas sinistramente intrigante;
- A capacidade de fazer você esquecer do tempo porque todo minuto parece essencial à sobrevivência do seu personagem do jogo. 

Contudo... Don't Starve tem uma única coisa que funciona contra ele, mas é uma única coisa que infelizmente faz com que você muito rápido perca o interesse nele: a falta de um senso de progressão. Você pode passar horas e mais horas em uma partida, construir um acampamento robusto, estar totalmente abastecido de comida, ter plantações crescendo, animais disponíveis para o abate e... uma matilha de lobos raivosos ataca-lo e o jogo acabar. Quando isso acontece, só lhe resta sentar e chorar, porque você vai ter que começar tudo de novo, passar pelas primeiras horas "extrativistas", construir tudo do zero e não levará nada da rodada antiga além da sua experiência pessoal. Frustração nível infinito!

O jogo se beneficiaria enormemente de um sistema de progressão. Uma segunda jogada traria algum benefício da primeira, nem que fosse uma parte dos itens que o "sobrevivente" anterior tivesse deixado. Poderia ser uma opção do jogador utilizá-la ou não: como o jogador pode escolher mais de um personagem com diferentes habilidades, porque não permitir que o novo personagem "encontre" um acampamento abandonado, ainda que depredado, para continuar a jogada. A penalidade por deixar o personagem anterior morrer seria não poder mais utilizá-lo naquele mesmo arquivo de salvamento. 

Independente disso, Don't Starve, mesmo com seu visual cartunesco, consegue ser apavorante e tenso, e possui mecânicas que garantem o engajamento constante, o que faz dele um jogo obsessivamente divertido. Contudo, a insatisfação e o desencanto ao final de uma partida e o tédio dos primeiros momentos de reconstrução em uma nova rodada são tão impactantes que vão fazer com que o jogador menos compulsivo desista de continuar relativamente rápido (e nem sou dos "menos compulsivos"). Ainda que com essa genuína e nada irrelevante ressalva, vale a pena esperar uma promoção da Steam para comprar o jogo e entreter-se em pelo menos algumas partidas com ele.

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