sexta-feira, 6 de novembro de 2015

007 contra Spectre

 De segunda mão e ultrapassado

Direção: Sam Mendes
Título Original: Spectre
Duração: 148 min
Idioma: Inglês
Lançamento: Nov/2015


As luzes se apagam. Na tela, uma tomada aérea da Cidade do México em pleno dia dos mortos. A câmera encontra o protagonista esgueirando-se por uma multidão de foliões e começa a segui-lo em um plano-sequência sem cortes aparentes que culmina na primeira, e insuspeitadamente a melhor, cena de ação do filme. Uma sequência competente, bem coreografada, ainda que flerte abertamente com a inverossimilhança (uma premissa, no entanto, em filmes da franquia). O espião mais elegante do mundo sai vitorioso, como era de se esperar, e os créditos iniciais invadem a tela acompanhados pelos irritantes falsetes de Sam Smith para a música-tema  Writing in the wallSegue-se mau gosto e breguice ímpares (a primeira tomada, por exemplo, mostra Daniel Craig sem camisa indiferente a duas mulheres  que lascivamente o acariciam em meio a chamas). Os primeiros minutos de filme até pareceram auspiciosos, mas a partir dessa abertura kitsch 007 contra Spectre entra em uma máquina do tempo para revisitar equivocadamente a história da série.

A era Craig até teve um ótimo início com Cassino Royale, uma abordagem renovada e suficientemente original para um gênero exausto, um filme com personagens memoráveis como o sinistro Le Chiffre, o vilão interpretado pelo talentoso e não menos intrigante Mads Mikkelsen (Hannibal), ou como a Bond Girl sensual e enigmática vivida por Eva Green. Depois passou pelo impenetrável e confuso Quantum of Solace, um filme do qual poucas pessoas sabem dizer de memória qual era a trama. Enfim, Sam Mendes assumiu a direção em Skyfall e aprofundou minimamente um protagonista que sempre foi mais um artifício da trama do que uma personagem propriamente dita. Mendes ficou para (supostamente) fechar a passagem de Craig com um filme ambicioso, mas que só consegue repetir todos os clichês mais antiquados do gênero e reciclar cenas e ideias dos filmes anteriores.

Bond vai para cama com as mulheres depois de passar dois minutos com elas e jura amor eterno depois de longuíssimos dois dias juntos. Em uma cena "inédita", Bond é torturado em frente ao vilão, enquanto cospe ameaças que logo se pagarão. E como remexer no passado do herói foi elogiado pela crítica em Skyfall, por que não inventar laços familiares complicados que nunca foram mencionados em mais de cinquenta anos de filmografia? Tudo em Spectre parece reciclado, reutilizado, repaginado. Poder-se-ia falar em "homenagem" a momentos e períodos célebres da série, mas o resultado soa menos como tributo e reverência e mais como pura falta de criatividade e coragem.

Talvez a mais incômoda característica de Spectre seja que o filme pretende ser um fechamento que interlace e conclua todos os anteriores, mas executa esse plano da maneira mais preguiçosa possível. Mendes quer tentar nos convencer de que tudo foi arquitetado para construir a apoteose de Spectre, mas, sem qualquer menção em filmes anteriores, a única ligação é que todos os vilões dos filmes anteriores trabalhavam para o vilão de Spectre. Talvez se o vilão ou o interesse romântico do novo filme tivessem dado as caras, mesmo que apenas como referências, nos episódios anteriores, ou se houvesse uma ligação real entre as personagens e não uma criada em poucos minutos de tela, talvez o filme tivesse atingido parcialmente o impacto esperado.

Essa falta de vigor narrativo impacta também as atuações. Craig, burocrático, parece estar apenas simulando suas próprias interpretações prévias e não encarnando efetivamente o personagem. Ainda que, em favor do ator, ele faz o que pode com o que lhe reservaram: piadinhas requentadas, cantadas baratas, cenas de ação sem qualquer tensão ou inovação. Ao sempre excelente Christoph Waltz é relegado um vilão cartunesco que parece mais adequado ao paródico Austin Powers ou a um período mais ingênuo da franquia 007. A própria organização criminosa Spectre estaria mais à vontade em um filme dos Vingadores do que em um que se presta a uma vertente mais realística.

Nunca fui fã de James Bond e confesso que só comecei a dar uma chance aos filmes da série no período atual seduzido pela crítica que o classificava como "cerebral", uma visão pós-modernista do personagem, uma revisão da masculinidade e outras subjetividades do tipo. Spectre foge desses progressismos e tenta reintroduzir conceitos ultrapassados e não mais adequados para uma nova audiência. Contudo, para quem não estava satisfeito com o rumo atual da franquia (e provavelmente também não esteja satisfeito com o rumo atual do mundo em geral), ou para quem estava com saudades de tempos mais ingênuos, simplórios e formulaicos, tempos de respostas fáceis e de matizes bem definidas, enfim, para essa audiência, é bem possível que Spectre agrade em cheio.

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