quinta-feira, 27 de maio de 2010

Flashforward

Visões do futuro do pretérito

A premissa era boa: em um determinado momento, a humanidade inteira "apaga" e vivencia dois e poucos minutos de sua vida em um futuro próximo. O resultado, no entanto, vai ficar para a história como uma das maiores decepções que já foi ao ar na televisão.

O problema foi dado na largada: a ABC propagandeou aos quatro ventos a série como o "novo Lost", ainda que o programa fosse intrinsicamente diferente. Lost era uma mistura pop-filosófica-científica que funcionava por ter como cenário um local místico onde qualquer coisa poderia acontecer. Flashforward iria se concentrar em conspirações, agências de investigação governamentais, explosões e perseguições de carro etc., ou seja, estaria muito mais para 24 horas do que para Lost, duas séries que possuem conjuntos de fãs consideravelmente diferentes (ainda que com muitos elementos na intersecção).

O segundo maior erro foi a escolha do protagonista: Joseph Fiennes fez de Mark Benford um dos personagens mais inexpressivos da história da televisão. Se Jack Bauer personaliza os acertos de 24 horas, Mark Benford é a personificação de boa parte dos defeitos de Flashforward: Fiennes faz sempre as mesmas caras e bocas e usa sempre o mesmo tom de voz rouco como se estivesse constantemente para morrer, suas falas são forçadas e suas ações dependem do que o roteiro do episódio necessita (ele pode ser um idiota ou deduzir as coisas mais absurdas dependendo do que o enredo pede).

Ainda no campo "defeitos de Benford" está seu romance com Olivia (Sonya Walger, a "Penny" de Lost) que carece de "química" e é difícil você conseguir se importar minimamente com um dos principais dilemas da série que é seu provável/possível término. Contribuindo para que esse "plot" funcione, está a construção da ligação entre Olivia e Lloyd Simcoe, que vai melhorando a cada episódio e quando efetivamente engata, não parece tão forçada quanto se poderia prever do começo.

Outro ponto fraco é que, talvez para não encarecer a série, uma trama que poderia ser completamente globalizada, ficou restrita basicamente aos Estados Unidos e, na maior parte do tempo a Los Angeles. A tentativa de colocar o "mundo" na estória gerou uma das tramas paralelas mais insossas que poderia haver: o romance-a-acontecer de Keiko e Bryce (Zachary Knighton). Vamos lá: ele não tem qualquer relevância para a trama principal,a não ser trabalhar junto da esposa do personagem que está investigando o "blackout", e ela então nem se fala. Porque estaríamos então interessados em saber como eles vão ficar juntos no final? Em tese, se eles simplesmente continuassem vivendo suas vidas normalmente, eles acabariam se encontrando de qualquer maneira... Típica enrolação...

O tema destino x livre-arbítrio que deveria permear todos os episódios da série é pouco trabalhado e quando finalmente entra com força na história, gera uma das melhores sub-tramas (vide episódio 06 - "The Gift"), apenas para ser abandonado logo no episódio seguinte (ainda que, para ser justo, não totalmente). Ao longo da série, algumas boas idéias são colocadas na mesa, mas são mal-aproveitadas ou não são inseridas no contexto da trama. Um exemplo do primeiro caso são as o das pessoas que não tiveram "visões" que é destruída com a trama do "Blue Hand Club" e um exemplo do segundo é o lavador de janelas que vira pastor, mas cuja história não têm qualquer ligação com a trama principal.

A série entrou em um hiato aproximadamente na metade da primeira temporada e, realmente, voltou bombando com os episódios 11-12 e manteve um ritmo indiscutivelmente melhor do que na metade anterior, porém as principais deficiências continuaram presentes. Ainda que eu não seja masoquista a ponto de querer passar por mais uma temporada, realmente acredito que simplesmente por tirar (ainda que temporariamente) Benford da trama (o final da série dá margem a essa possibilidade), o nível melhoraria muito.

Os melhores episódios de Flashforward foram:
No more good days (Eps. 1-2) - Vale pela "promessa" do que poderia ter sido o seriado e não foi, ótimas cenas catastróficas e a abertura de um universo de possibilidades 

The gift (Ep. 07) - Ainda que o mote principal do episódio seja o estúpido "Blue Hand Club", o final do episódio dá uma sacudida em uma das premissas principais da série 
Revelation zero (Eps. 11-12) - mais uma promessa, o primeiro episódio depois do "hiato" foi tão frenético que pareceu ser muito mais longo que os seus 80 e poucos minutos e conseguiu transformar Simon Campos (Dominic Monaghan) em um personagem que você queira seguir. 
Goodbye yellow brick road (Ep.18) - mais uma boa surpresa da série, catapultando Janis (Christine Woods) como a personagem mais interessante da trama (ainda que, mais uma vez, o potencial não tenha sido utilizado a contento posteriormente) e de quebra, ainda introduzem Gabriel, o savant que aborda Olivia, outra ótima promessa. 
Future shock (Ep. 22) - o final fechou a série com os flashforwards mais importantes virando realidade, sendo que o episódio anterior foi montado de forma que parecesse impossível para que eles se concretizassem.

Para terminar, a série teve pouquíssimos pontos altos que não valem a tortura de quase quatorze horas basicamente de puro lixo. Não dá para dizer que será esquecida na semana que vem, porque, por culpa dos próprios criadores, vai ser sempre lembrada como o fenômeno que poderia ter sido e não foi.

Nenhum comentário: